quarta-feira, 16 de julho de 2014

Cabeça-de-Cuia no Culto Piaga


Cabeça-de-Cuia piaga (Arte: Rafael Nolêto)

O que seria o Cabeça-de-Cuia? Ou melhor, quem seria? Seria possível ter pistas sobre a construção dessa entidade sobrenatural que hoje é considerada como a mais popular lenda do Piauí? 

São muitas as perguntas. As respostas também são tantas e tão diversas que chegam a confundir mais do que ajudar na compreensão dessa entidade. Tentar entender a essência dessa figura é como tentar montar um quebra-cabeça, complicado, mas possível.

Antes de entender o significado do Cabeça-de-Cuia dentro do Culto Piaga, vamos relatar a lenda que conta sobre a versão mais conhecida desse mito entre a população atual do Piauí. 

O Monstro Lendário
Monumento do Cabeça de Cuia às margens
do Encontro dos Rios, em Teresina
De acordo com a lenda popular, antes de ser transformado no Cabeça-de-Cuia, um jovem pescador chamado Crispim, que vivia no Bairro Poti Velho, zona norte de Teresina (PI), teria se frustrado após ir pescar no Rio Poti em busca de sua refeição diária, pois não conseguiu apanhar sequer uma mera piabinha. Ao final da tarde, Crispim retornou para casa.

Cansado, com fome e sem nada nas mãos, o jovem perguntou para a mãe sobre a refeição do dia, mas a coitada tinha preparado apenas um caldo “fraco” feito com um resto de osso de boi. Revoltado com toda aquela cena de miséria, Crispim descontou toda a sua ira na impotente mãe, a única que compartilhava com ele aquele momento de escassez. O jovem descontrolado espancou ferozmente a mãe, ferindo-a gravemente com aquele osso.

Já em estado terminal, a mãe de Crispim sussurrou uma praga ao vento. A partir daquele momento Crispim tornou-se o filho amaldiçoado, que foi punido por seu descontrole. 

Estátua do Cabeça-de-Cuia
no bairro Poti Velho.
(Foto: Reinaldo Coutinho)
Como resultado da praga da mãe, o jovem sofreu uma horrenda metamorfose. Sua cabeça cresceu, seus dedos criaram nadadeiras semelhantes às de pato. Sua boca se alargou e seus dentes ficaram comparáveis aos de um jacaré. Para completar, Crispim ficou condenado a habitar as águas dos rios Parnaíba e Poti, alternando sua morada a cada seis meses.

Acredita-se que antes que a maldição seja quebrada e Crispim seja libertado da sua condição de encantado, ele terá que engolir sete moças virgens de nome Maria. Enquanto isso, está condenado a vagar pelos rios Parnaíba e Poti.

A Entidade Extraterrestre
De acordo com algumas teorias defendidas por estudiosos de ufologia, o Cabeça-de-Cuia, bem como outras lendas brasileiras, teria surgido a partir de relatos do povo local sobre visões de seres extraterrestres, bolas de luz e manifestações extraterrestres. 
A figura seria um ser extraterrestre que, incompreendido pelos nativos que o avistaram, foi transformado em mito. Há relatos sobre globos de luz aparecendo sobre as águas de rios, além de seres de olhos incandescentes nas águas, que reforçam a hipótese de supostas criaturas extraterrestres associadas ao mito.


O Guardião das Águas
Representação rupestre da região da Serra da Capivara.
Seria inspirada no mito do Guardião aquático?
A figura do Cabeça-de-Cuia é vista de diferentes formas ao longo do curso dos rios Parnaíba e Poti, que cortam vários municípios piauienses e servem de morada a essa entidade. Quanto mais nos aproximamos de Teresina o mito vai ganhando características mais urbanas e violentas. Quando mais nos aproximamos do litoral, vamos encontrando relatos sobre um Cabeça-de-Cuia mais gentil, que não mexe com ninguém, apenas guarda as águas dos rios. 

Assim como o Curupira, o Cabeça-de-Cuia assume, em alguns relatos, o papel de defensor da natureza. A diferença é que, enquanto o Curupira defende as matas, o Cabeça-de-Cuia é encarregado de defender os rios onde habita.

Cabeça-de-Cuia no Culto Piaga
Antes de se encantar, um jovem e habilidoso pescador
A figura do Cabeça-de-Cuia é trazida ao contexto do culto piaga sob a forma de um guardião. Na Corrente da Terra, ele vem na Linha Piaga, pois apesar de ser um encantado, está ligado ao culto dos antepassados do lugar. Através de canalização, recebi um cântico dedicado à esse reservado guardião das águas, bem como revelações sobre sua natureza. Nas linhas a seguir faço o compartilhamento sobre o que me foi passado durante a experiência mediúnica.

O Cabeça-de-Cuia surgiu a partir de um jovem e habilidoso pescador índio, que em uma de suas pescarias se encantou e sofreu uma transmutação, criando barbatanas e guelras, além de uma cabeça que lhe permite boiar nas águas. Em seu canto, faz questão de afirmar que não é o Crispim assassino, demonstrando um certo ressentimento pela sua história que foi deturpada.

Hoje ele habita no fundo dos rios dessa região, emergindo sempre que precisa cumprir sua missão de defensor das águas. Tem uma índole pacífica, mas parece guardar certa mágoa dos colonizadores cristãos que o demonizaram e sacrificaram os antigos povos indígenas que estavam ligados ao culto das águas. 

Pintura retratando o Cabeça-de-Cuia
A mensagem que esse encantado traz é um reforço para o restabelecimento da harmonia entre o homem e as águas, através do despertar da consciência das pessoas que aqui vivem para que percebam a sacralidade dos rios e fontes. Ele parece não se conformar com o fato de que o homem geralmente só aprende as lições quando passa por castigos ou medos. Por conta disso, o Cabeça-de-Cuia castiga quando é preciso, assumindo caráter ameaçador, engolindo ou até afogando quem comete vandalismo contra seus domínios aquáticos.

Prefere se manter afastado do homem, especialmente nas cidades maiores, manifestando-se raramente, em noites de luar. Nas zonas mais afastadas, onde os moradores ainda conservam certa pureza na relação com a natureza, o Cabeça-de-Cuia é mais amigável, podendo aparecer aos nativos e até ajudar a a atrair os peixes para as redes dos pescadores, já que um de seus poderes é o de controlar os peixes do Rio. 

Mãe d'Água. Ela é a grande rainha das águas piagas
(Pintura: Walter Nogueira)
No reino encantado do fundo dos rios o Cabeça-de-Cuia está subordinado à Mãe d'Água, uma entidade feminina que parece ocupar uma posição hierárquica de destaque no culto das águas. Ele também dirige uma pequena legião de duendes aquáticos, parecidos com ele, só que bem menores. Esses duendes habitam o fundo dos rios e às vezes soltam bolhas fazendo com que as águas borbulhem, assustando os pescadores.

Para contatá-lo, o ideal é às margens das águas. Você pode sentar-se às margens do rio e meditar, ou pode também aguardar seu contato enquanto medita numa canoa. Esse encantado é muito reservado, aproximando-se apenas daqueles com quem realmente tem afinidade. Como qualquer outro encantado ou ser espiritual, é necessário conquistar a amizade para que se possa ter algum tipo de contato. Cabeça-de-Cuia recebe como oferenda cumbucas de barro ou cuias contendo alimentos à base de peixe. Também aprecia macaxeira e farinha. Também recebe colar de sementes. As oferendas à ele podem ser depositadas em pequenas balsas feitas com troncos, ou em margens de rios.


Amigo das Águas (Cântico) 
(Canalização: R. Nolêto)

Cabeça-de-cuia num é fera, só protege aqui o meu Rio
Muito antes da cidade, nessas "água" ele surgiu
Muito antes da cidade, nessas "água" ele surgiu

Índio novo, índio brabo, sofreu a transformação
Uns chamaram de encantado, outros de assombração
Mas quando ele foi levado, se tornou um guardião

Num "credita", num "credita", no que o jesuíta diz
Tira a terra da sua gente, "inda" diz que o mal eu fiz
Tira a terra da sua gente, "inda" diz que o mal eu fiz

No Poti, à meia noite, só engulo gente ruim
Quem maltrata a Mãe das Águas, só acende a raiva em mim
Daí que eu criei a fama, desse tal bicho Crispim

Sou amigo de quem ama, os domínios do Poti,
Parnaíba e corredeiras, do povo que vive aqui
Parnaíba e corredeiras, do povo que vive aqui

Tiribum, tibiribum, guardião do nosso rio
Tiribum, tibiribum, Seu Cabeça emergiu
Tiribum, tibiribum, Seu Cabeça emergiu

Bibliografia Consultada:
* COSTA, Pedro. O Casamento do Cabeça de Cuia com a Num-se-Pode. Cordel.
* COUTINHO, Reinaldo. Cabeça de Cuia: Monstro ou ET?. 2002.
* IBIAPINA, Fontes. Passarela de Marmotas. Ed. Comepi. 1975.
* IBIAPINA, Fontes. Crendices, Supertições e Curiosidades Verídicas do Piauí. FCMC, 1993.
* MAUSO, Pablo Villarrubia. Mistérios do Brasil. Ed. Mercuryo.

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