quarta-feira, 1 de junho de 2022

Quem são os Caruanas?

 Os Caruanas são encantados que se manifestam especificamente na região amazônica. As referências sobre esses seres vêm da Pajelança Marajoara, culto mágico com raízes indígenas, praticado na grande Ilha de Marajó (PA).

Antes da chegada dos europeus, entre os anos 400 a 1400 da Era Comum, os povos nativos que viveram na região da Ilha do Marajó tinham uma cultura muito rica e uma espiritualidade envolta por magia. Dentre as heranças deixadas por esses povos, existe até hoje a crença e o culto aos Caruanas, espíritos encantados que habitam sete cidades escondidas no fundo dos enormes rios do lugar.

Ilustração de evocação
a um espírito Caruana.

Segundo essa crença, apesar de viverem nas águas, os Caruanas têm a capacidade de vir ao nosso mundo através dos pajés ou disfarçados em formas de animais. Nos cultos de pajelança marajoara, eles vêm com o propósito de realizar curas e limpezas espirituais nos consulentes. Em relação às curas, os Caruanas sempre as realizam utilizando elementos da própria natureza, como pedras e minerais, plantas, banhos e defumações.

Com os processos de miscigenação cultural ocorridos no Brasil ao longo dos anos, no período contemporâneo é possível identificar dois tipos de pajelança: a pajelança indígena e a pajelança cabocla. 

A pajelança indígena seria aquela praticada pelos povos indígenas, no contexto das aldeias, onde o pajé costuma ser uma das autoridades mais importantes (juntamente com o cacique). Enquanto isso, a pajelança cabocla seria uma forma mais miscigenada de pajelança, onde é possível identificar elementos indígenas e algumas características multiculturais. No caso da pajelança cabocla, costuma ser praticada por não-indígenas, fora do contexto das aldeias.

Escultura do Baba Tayandó na Vila Pagã (Piauí)

Na região metropolitana de Belém (PA), durante algumas décadas, o sacerdote Luiz Tayandó (Baba Tayandó) manteve o culto aos Caruanas, até pouco tempo antes de sua passagem em novembro de 2018. Mestre Tayandó, como eu costumava chamá-lo, dizia que os Caruanas vinham à Terra para realizar curas e desmanchar trabalhos maléficos de magia. Em suas práticas de pajelança cabocla, como parte de seus ritos com os Caruanas, ele costumava utilizar essencialmente o toque do maracá, a água e a defumação com ervas.

Segundo Tayandó, o mundo submerso dos Caruanas era envolto por muito chuvisco e neblina constante. Por conta disso, o maracá era tocado para imitar o som da chuva, enquanto a defumação imitava a neblina do Reino do Fundo, criando a ambientação favorável para que os Caruanas pudessem se manifestar em nosso plano. 

Caruana Araguará
Na região marajoara, uma das difusoras da pajelança cabocla é a Pajé Zeneida Lima, que escreveu livro  sobre o tema e até já foi homenageada com um samba enredo da escola Beija Flor, no carnaval do Rio em 1998. De acordo com Zeneida, os Caruanas são classificados como seres espirituais da natureza, habitantes das águas, podendo interagir com os homens através das práticas de pajelança.

Segundo a crença difundida na pajelança, todas as doenças podem ser curadas com a ajuda dos Caruanas, desde que seja identificada e tratada antes de se desenvolver. Depois que a doença toma conta do corpo, é mais difícil realizar a cura. 


De toda forma, os Caruanas costumam ser evocados para que sua vibração possa agir no corpo físico e espiritual do enfermo. Existem muitos Caruanas vivendo no fundo das águas dos rios amazônicos, mas nem todos são conhecidos ou interagem com os homens.

Para entender melhor sobre a função e a origem de cada Caruana, é preciso conhecer um pouco da mítica marajoara. Segundo essa mitologia, o mundo primordial era formado apenas por água e nada tinha cor.

No princípio, tudo estava sob o comando do Girador, o "criador divino" representado como um "pote de barro" de onde se originou a vida. O Girador determinou que Auí construísse sete cidades para viver com seu povo. Como regra, o Girador determinou que Auí não poderia olhar o rodamoinho que se formaria durante a criação.

Descumprindo as recomendações do Girador, Auí olhou para o rodamoinho e viu nele a mesma matéria da qual o Girador era formado. Ao se ver diante de todo aquele poder, Auí se deixou dominar pela ambição e mergulhou no pote de barro de onde vinha a energia criadora.

Caruana Beija-flor

Pela sua desobediência, Auí foi punido pelo Girador, tendo sua cabeça partida e transformada nos três reinos: animal, vegetal e mineral. Todo o povo de Auí foi transformado em Caruanas, poderosos seres mágicos que passaram a habitar o mundo encantado do fundo das águas.

Por meio das obras e relatos da Pajé Zeneida, tomamos conhecimentos dos nomes de alguns Caruanas. É importante lembrar que, além dos Caruanas mencionados por Zeneida, existem muitos outros Encantados que podem ser categorizados como Caruanas, pelo fato de se transmutarem em animais. Cada praticante de pajelança tem os Caruanas e Encantados específicos com os quais costuma trabalhar.


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