quinta-feira, 3 de abril de 2014

Instrumentos e Elementos do Culto Piaga

Os ritos e práticas devocionais do Culto Piaga são feitos com o auxílio de diversos instrumentos, símbolos e elementos peculiares que, por sua vez, funcionam como ativadores, direcionadores ou armazenadores de determinada energia.

Dependendo do rito, os elementos de culto também podem variar. Se formos realizar uma prática voltada para cura é provável que utilizemos ervas, água, maracá e símbolos. Se formos realizar uma prática relacionada a pedidos, como fertilidade ou prosperidade, teremos que utilizar grãos, velas, bebidas consagradas e frutas. 

Nas práticas ritualísticas, sejam elas privadas ou comunitárias, novos elementos podem ser agregados de acordo com as necessidades de cada prática, mas alguns elementos são mais frequentes, por isso listamos os mesmos a seguir.

Maracá: Os maracás são uma espécie de chocalho, utilizado como instrumento musical, mas também como um símbolo da ancestralidade, capaz de facilitar a comunicação com os Deuses e Espíritos. O som de seu toque é sagrado, afugenta entidades negativas e contribui purificações de pessoas ou locais. É um instrumento indígena, ligado aos cultos sagrados dos nossos ancestrais, tanto que os índios tupis espalhados pelo litoral brasileiro veneravam seus maracás como deuses. Cada índio possuía seu maracá pessoal, que era guardado depois de ter sido consagrado pelo pajé. Nos cultos piagas os adeptos celebram vários ritos tocando maracás, em círculos sagrados, entoando cânticos devocionais. Os maracás piagas também podem ser decorados com tracejados e símbolos mágicos.


Cumbuca Preta: No culto piaga a cumbuca preta é um importante elemento do altar, indispensável especialmente em ritos de purificação e cura, pois é para ela que serão atraídos e eliminados os "males". Dentro dos ritos piagas a cumbuca preta possui a mesma função que um círculo mágico possui em outras tradições, pois suga e mantem as energias densas longe dos participantes. A cumbuca preta pode ser decorada com símbolos de proteção e transformação. Dentro dela deve ser colocado sal-grosso, alho e uma vela preta. 

Cumbuca de água ou Cumbuca Branca: É uma cumbuca de barro, que não pode ser pintada com cores escuras, mas pode ser decorada com pinturas alegres ou símbolos relativos aos pedidos específicos do ritual. É colocada sobre o altar piaga e é utilizada para depositar as oferendas de frutas, grãos e outras. É consagrada pelo guardião (sacerdote) e utilizada sempre no altar, para receber as ofertas votivas. Não é descartada após o uso.

Cumbuca de Sapucaia: As cumbucas de sapucaia são retiradas da árvore Lecythis pisonis, popularmente conhecida por sapucaia ou cabeça-de-macaco. São utilizadas para depositar oferendas que se deixam na natureza, em matas, cachoeiras, rios, etc. Na tradição piaga as oferendas deixadas na natureza são compostas geralmente por elementos biodegradáveis, que não poluem os locais sagrados. Além das cumbucas de sapucaia as oferendas também podem ser depositadas sobre pedras, fendas de árvores, folhas de tajá, taioba e outras, dependendo da situação.

Pote de barro: Utilizado geralmente para depósito de oferendas líquidas, como as bebidas sagradas. Os potes podem ser pintados também, funcionando como concentradores e catalizadores de energia. Potes com cores escuras são usados para neutralizar e desenergizar, ao contrário dos potes pintados com cores claras e alegres. Além de ofertas, nos potes de barro também podem ser depositados nomes de pessoas (no caso de curas, energização ou anulação de forças). Deve ser colocado sobre o altar.

Taça de Barro: É destinado ao uso pessoal e individual do adepto. Cada pagão tem seu próprio copo ou taça de barro, onde coloca as bebidas sagradas a serem consumidas em ritos ou liturgias com confraternização. 
Não pode ser emprestado e nem substituído por copo de plástico ou outro material, pois seu simbolismo está intimamente ligado ao poder de cura, transformação e renovação da própria terra. As taças de barro podem ser decoradas com símbolos ligados a cura, energia, força, magia e transformação.
Bebidas: Existem várias bebidas de caráter sagrado que podem ser consumidas ou oferecidas aos espíritos e Deuses, durante ritos da tradição piaga. Algumas dessas bebidas são: chás, cachaça, mel, leite natural, cajuína e vinho. São bebidas mágicas que podem ser consagradas ou preparadas pelos guardiões, para serem ofertadas aos Deuses, espíritos ou adeptos durante os ritos, dependendo da ocasião. A cajuína, por exemplo, está ligada aos simbolismos de energização, cura, fertilidade e prosperidade, podendo ser ofertada aos espíritos da terra. O mel está ligado ao agradecimento, fortalecimento e consolidação de projetos, relacionamentos, paixão e união. O vinho está ligado à vidência, sonhos proféticos, alegria e sensualidade. O leite está ligado à prosperidade, riqueza, fertilidade, continuidade, ancestralidade. A cachaça é uma bebida de purificação, geralmente é mais oferecida para determinados espíritos do que consumida pelos adeptos; seu uso externo é mais comum, através do preparo de beberagens, tinturas, lavagens e outras poções encantadas.

Grãos e Sementes: São símbolos de fertilidade e prosperidade em todos os sentidos. As sementes estão relacionadas com a continuidade da vida, com a capacidade de transformação e com as possibilidades trazidas pela vida para que possamos fazer brotar nossas qualidades adormecidas. São utilizadas em oferendas, confecção de talismãs e artefatos encantados, preparo de pós mágicos e decoração de traçados vibracionais piagas.

Velas: Podem ser das mais variadas cores e formatos, sendo que a escolha de cada vela depende do encantamento ou ritual a ser praticado. As velas são muito importantes nas práticas piagas, pois representam o elemento fogo e a chama da fé que se mantem acesa. Em relação a cores, a vela preta é utilizada sempre na cumbuca preta; a vela amarela é para trabalhos de iluminação e prosperidade; a vela verde é dedicada aos espíritos e ancestrais das matas; a vela vermelha está relacionada ao sangue nativo, coragem e vitalidade. Velas de formatos como "chaves" são utilizadas para abrir caminhos; velas com formatos de órgãos genitais são utilizados para encantamentos de união, fertilidade ou em oferendas aos Deuses que regem estes aspectos. Há muitas cores e formatos de velas que podem ser explorados, mas na falta de velas coloridas pode ser usada a vela branca, como substituta.

Defumador: Os defumadores e incensos são elementos constantes nas práticas piagas, pois são utilizados como oferendas aos Deuses e espíritos, mas também ajudam a purificar o ambiente e afastar entidades ou energias opressoras. Em um ritual piaga, são colocados no mínimo quatro incensos ao redor do local, sinalizando os pontos cardeais; juntamente com a cumbuca preta estes incensos distribuídos pelo local servem para demarcar o espaço sagrado e manter os adeptos protegidos. De acordo com o aroma do incenso ele pode ser usado para diferentes finalidades, mas um incenso neutro que pode ser utilizado em quase toda ocasião é o de rosa branca ou lírio. 

Representações de Culto: São imagens ou desenhos dos Deuses e Espíritos Cultuados. São mantidas no altar e diante delas se realiza os pedidos e as orações. Diante dessas representações são colocadas as oferendas. As esculturas de culto da tradição piaga são caracterizadas por possuírem formatos totêmicos e ovalados. Se forem esculpidas com terra do locus (local), o simbolismo de conexão com a magia da terra é ampliado, mas nada impede que representações de diferentes tipos sejam utilizadas.

Frutas da Terra: Qualquer fruta comestível é bem vinda num altar piaga, pois representam as bênçãos de fartura sobre a terra. Apesar disso, as frutas da estação são as mais adequadas para os ritos, especialmente no caso dos oito festivais da roda piaga. No caso de práticas devocionais dedicadas a divindades ou espíritos específicos é importante considerar quais as frutas consagradas para cada um. Em celebrações comunitárias, as frutas devem ser colocadas sob o altar, na cumbuca branca ou em travessas consagradas, podendo ser consumidas pelos celebrantes, após o término dos ritos. As frutas também podem compor oferendas que se deixam na natureza, devendo ser colocadas sobre folhas ou dentro da cumbuca de sapucaia. Algumas frutas da terra dos piagas são o caju, a goiaba, o cajá, seriguela, pequi, cereja brasileira, camapum, graviola, buriti, coco babaçu, dentre outras. Consumir as frutas da terra é uma prática sagrada que simboliza a integração com a própria essência do lugar que se habita.


Ervas: As ervas são elementos indispensáveis nos ritos piagas, pois simbolizam a própria energia mágica da mãe terra. Os altares piagas sempre devem estar compostos por algum ramo de erva ou vaso com flores, pois é uma forma de levar um pouco da energia vital da natureza para o espaço sagrado. Quando se trabalha com Deuses e Espíritos específicos, é bom conhecer quais ervas os agradam mais. As ervas secas também são utilizadas para defumações, preparo de banhos mágicos, confecção de talismãs ou consagração de locais. Ramos de ervas de purificação, como o manjericão e a arruda, também podem ser usados em benzimentos de pessoas que se purificam em ritos comunitários ou encantamentos mais simples. Apenas a vivência da espiritualidade de forma mais constante permite um conhecimento e uma aproximação mais "íntima" da magia das ervas, pois a própria planta e seu espírito guardião pode revelar mistérios sobre suas propriedades, diretamente para o pagão piaga.


Traçados Piagas: Os traçados piagas são de dois tipos. O primeiro tipo é derivado de inscrições e registros rupestres deixados pelos antepassados em território brasileiro, especialmente na zona compreendida como centro do território piaga (Piauí e estados do Norte e Nordeste). O segundo tipo são símbolos com traçados inspirados em registros rupestres, mas com elementos novos, representativos das divindades ou espíritos com os quais se trabalham no rito. A principal finalidade do uso desses traçados é firmar pontos de concentração e emanação de energia. Por exemplo, na figura ao lado temos o traçado utilizado na celebração dedicada ao espírito da primavera, com ondas vibracionais onduladas e espiraladas, que ajudam a catalisar e difundir a energia da divindade cultuada na ocasião, além de manter o equilíbrio energético no ambiente. Há uma diversidade muito grande de traçados piagas e seus significados mágicos fazem parte de um conhecimento mantido apenas entre os guardiões do culto.

Bastão de Giz: Podendo ter as mais variadas cores, os bastões de giz são os elementos utilizados para desenhar os traçados piagas no chão, em murais ou em outras superfícies. Os mais comuns são os bastões branco, amarelo, verde, azul, vermelho ou rosa. Cada cor de giz possui sua indicação de uso específica. O branco é purificador, revelador da verdade, repele energias negativas e eleva as vibrações espirituais. Equilibra a aura e facilita o contato com os guias espirituais, promovendo o equilíbrio interior, a sensação de proteção. Também pode ser usado como coringa, para todos os propósitos, associando-se com eficiência com qualquer cor. A luz branca traz todas as cores, ilumina e transforma. Representa o amor divino, estimula a humildade e a sensação de limpeza e claridade. Ótima para qualquer traçado, mas em celebrações comunitárias o uso do branco sozinho pode resultar em uma energia apática e monotonia. 
O vermelho é um giz estimulante. Fortalece o corpo e dá mais energia física, impulso sexual, força de vontade, conquista, liderança e senso de auto-estima. É a cor da brasa, do fogo consumando em ardência, da paixão, do entusiasmo e dos impulsos. Estimula os movimentos, a força, a virilidade, a masculinidade e o dinamismo. 
O giz rosa se relaciona com a empatia e o companheirismo, sugerindo feminilidade e afeição. O rosa claro está associado ao feminino e à compaixão. O rosa choque é associado a intimidade, a doçura e romantismo.
O giz amarelo ajuda a despertar, expressar leveza, descontração, otimismo. Simboliza criatividade, jovialidade e alegria. Transmite otimismo, calor, ilumina e descontrai. Simboliza opulência e prosperidade. Desperta novas esperanças para quem está em busca da cura. Contribui com vivacidade, alegria, desprendimento, leveza. Produz desinibição, brilho e espirituosidade.
O giz azul ajuda a emanar uma energia de ternura, afetuosidade, paz de espírito e segurança. Reduz o stress e a ansiedade, promovendo a saúde emocional. Favorece as atividades intelectuais e a meditação. Simboliza devoção, fé, aspirações elevadas, sinceridade, confiança e tranquilidade. O azul transmite favorece a compreensão. É a cor do bem estar e do raciocínio lógico. Desintegrar energias negativas, favorecendo a paciência, a amabilidade e a serenidade.
O giz verde emana vibração calmante que harmoniza e equilibra. Representa as energias da natureza, da vida, esperança e perseverança. Facilita a comunicação com as plantas e os devas da natureza. Simboliza a renovação, fertilidade, crescimento e saúde. Verde traz paz, segurança, esperança em abundância e confiança.
Os bastões de giz devem ser consagrados antes do uso ritualístico, guardados em um saquinho de pano ou caixinha reservada especificamente para isso. 

Pó de Rangoli (ou Farinha de Cor): É um pó colorido que pode ser preparado de várias formas. Na tradição piaga o pó de rangoli é preparado com corantes misturados com a farinha (de mandioca ou de trigo) ou com o arroz. Rangoli é um termo usado na índia para designar desenhos feitos no chão, tradicionalmente usados nas portas das casas, durante o festival de ano novo hindu, para dar boas vindas aos visitantes e atrair boas vibrações. No nosso caso, a farinha de cor é usada para o preenchimento de traçados piagas.

Carvão: O carvão é utilizado no paganismo piaga como um elemento concentrador e neutralizador de energias. Pode ser colocado na cumbuca preta durante purificações e também carregado consigo em patuás e amuletos de proteção. Com o carvão também podem ser desenhados traçados piagas de proteção no local do ritual.
Cristais: Assim como as ervas, a variedade de cristais é enorme, bem como suas propriedades mágicas e terapêuticas. Podem ser utilizados na decoração do altar e na demarcação dos pontos cardeais em traçados piagas ou no ambiente do rito. Os cristais também podem ser colocados sobre os chacras para promover cura, energização, purificação ou equilíbrio energético.
Sal Grosso: O sal grosso é um elemento utilizado para purificações e absorção de energias densas. Geralmente é mantido dentro da cumbuca preta e trocado regularmente, para evitar estagnação de energias negativas no ambiente. O sal retirado da cumbuca preta deve ser descartado preferencialmente em esgotos, fossas, no mar ou em água corrente. Em último caso pode ser enterrado, mas tendo o cuidado de enterrar longe de plantas, pois o sal pode fazer murchar ou até matar as plantas.

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